sexta-feira, 12 de junho de 2009

OPERÁRIO DAS LETRAS

GENTE NOSSA

A vida do suburbano que fundou, na Vila da Penha, uma biblioteca comunitária e distribui livros gratuitamente pelas ruas

Texto e fotos: João Henriques (5º período)

Evando dos Santos é o que pode se chamar de semeador de palavras. O pedreiro que nasceu em Sergipe e hoje mora na Rua Augusto Bernachi, na Vila da Penha, transformou o meio-fio das calçadas de sua rua - uma ladeira em curva - em pílulas da literatura mundial. “Escrevo uma frase e identifico o autor, o livro e a página em que se encontra aquela passagem. Caso o leitor se interesse, é só buscar o livro na biblioteca”. Trata-se da Biblioteca Comunitária Tobias Barreto de Menezes, que começou com 50 livros e hoje possui um acervo de 45 mil volumes espalhados temporariamente pela casa de Evando, que só aprendeu a ler na adolescência. Da garagem à cozinha, passando por quartos, sala e corredores, encontram-se pilhas de livros com mais de dois metros de altura. Isso só até a sonhada mudança para o novo prédio, de três andares, que tem o projeto assinado pelo arquiteto Oscar Niemeyer e está sendo construído com recursos do BNDES, que investiu R$ 651 mil.
A contribuição de Niemeyer para a biblioteca comunitária começou a ganhar vida quando Evando dos Santos viu o arquiteto em um programa de televisão. “Foi quando eu tive a idéia de pedir ajuda a ele. Então, fui até seu escritório, onde fui muito bem recebido, e para minha felicidade ele aceitou fazer o projeto que hoje está ganhando vida”, recorda.
Hoje, o local recebe até 50 visitantes por dia e funciona de domingo a domingo. Evando faz questão de enfatizar de que não há prazo para a devolução dos livros. “Quem vem aqui pode pegar quantos livros quiser, e pode ficar com eles o tempo que achar necessário. Também não há problema se a pessoa não devolver o livro. Se ela quis ficar com a obra é porque deve estar precisando. Esta é uma biblioteca sem burrocracia. Livro é para ser degustado e não policiado” afirma Evando.
Para o futuro, Evando sonha com a construção do que ele chama de Biblioteca Viva. “Trata-se de uma parte da biblioteca comunitária com livros de ciências. Em anexo, um terreno com animais e plantas. Ou seja, a pessoa lê o livro e depois vai observar como a natureza funciona na prática”, explica.

Com seu trabalho Evando ajudou a montar outras 37 bibliotecas em diversas cidades do Brasil. Seu sonho já lhe rendeu alguns prêmios como a Medalha Tiradentes, a maior honraria concedida pela Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Outra entidade que premiou Evando foi a Academia Brasileira de Letras (ABL), com uma medalha comemorativa pelos 110 anos da instituição. Além disso, a sua história de vida virou tema do livro “Un Cortile di Parole” do italiano Remo Rapino.

Cultura e justiça na praia

Se Evando dos Santos contasse que ajuda a organizar arrastões em Copacabana poderia parar em uma delegacia. Mas na verdade trata-se do Arrastão Literário. No evento que acontece há três anos, Evando transforma-se no homem-livro, e, juntamente com amigos, percorre a Avenida Atlântica - do hotel Copacabana Palace até a estátua de Carlos Drummond de Andrade - distribuindo livros a quem passa pela rua.

Também já foi realizado, na praia de Copacabana, o Arrastão Constitucional. “Percorremos o mesmo caminho do Arrastão Literário, só que desta vez distribuindo a constituição brasileira para as pessoas. Ao todo, foram doadas aproximadamente 700 cópias. A idéia desse projeto é que um dia, cada carioca tenha uma constituição em casa e faça valer principalmente o artigo cinco, que diz que todos são iguais perante a lei”, disse Evando.

Vida nordestina

A história de vida de Evando dos Santos começa na cidade de Aquidabã, no interior do Estado de Sergipe, onde nunca freqüentou a escola. Lá, ele cortava junco na Lagoa do Congo - nome em homenagem aos negros vindos da África que habitaram a região – para produção de colchas e travesseiros. Nas horas de lazer, o amigo mais velho Josias Caranguejo, lhe contava histórias como a de Lampião e Maria Bonita. Entre outras lembranças de Aquidabã, Evando recorda-se do encanto que teve ao ver uma bicicleta pela primeira vez. Fato este que lhe rendeu o apelido de Zé Catraca.

Quem também deixou marcas na vida de Evando no interior de Sergipe foi a mula Poquinha. “Meu avô, José Mestre, era comboieiro e a Poquinha era quem puxava o comboio. Ela conduzia com tanta maestria que achávamos que tinha inteligência de um ser humano. Se houvesse algum percalço pelo caminho a Poquinha sabia a hora de parar. Quando ela morreu meu avô entrou em depressão e nunca mais foi a mesma pessoa”, conta Evandro, recordando que além de comboieiro, José Mestre tinha consciência ecológica. “Meu avô tinha um sítio em que metade do terreno era utilizado para a pastagem dos animais, e na outra ele preservou a vegetação natural dizendo que aquele lugar era a moradia dos pássaros” disse ele.
Vida suburbana

Em 1973, com 12 anos de idade, Evandro veio com a família para o Rio de Janeiro em busca melhores condições de vida. O primeiro domicílio foi na Rua Joaquim Rodrigues, no bairro de Cordovil. Aos 18 anos, e com a ajuda do amigo Santos Santana conseguiu um emprego de pedreiro na extinta Editora Manchete, no bairro de Parada de Lucas.
Quando entrou para a Igreja Batista, Evandro teve seu primeiro contato com as letras. “Foi o Pastor José Evangelista que me deu as primeiras aulas. E tudo começou pela Bíblia, em que a primeira coisa que consegui ler foi o salmo 23”, lembra. Outro personagem que ajudou Evandro a descobrir o mundo das palavras foi o pedreiro da Vila do João, Demival Pereira. “Ele me apresentou grandes nomes da literatura mundial como Shakespeare, Lima Barreto, Pablo Neruda, e Tobias Barreto de Menezes”. Este último Evando dos Santos faz questão de contar mais detalhes. “Tobias Barreto foi a primeira pessoa a escrever um jornal em alemão na América do Sul e dava aulas de literatura comparada”. Ele também cita uma frase do autor que diz que “A vida é uma literatura. Ler é lutar”.

Vida literária

“No dia 17 de julho de 1998 fui consertar um vazamento na casa da Dona Benedita, na Rua do Cajá, na Penha. Antes disso, às 09h42, passei na loja de peças do Sr. Antônio Cozzolino. Lá encontrei uma pilha de 50 livros que seriam destinados à doação. Então resolvi ficar com todos”, recorda Evandro. Foi assim que a história da Biblioteca Comunitária Tobias Barreto de Menezes começou a ganhar vida na própria casa de Evandro dos Santos. “Percorri vários lugares do Rio de Janeiro de ônibus para buscar doações de livros”. Oito anos depois, as 45 mil obras que conseguiu juntar aguardam a mudança para as novas instalações, que levam a assinatura do arquiteto Oscar Niemeyer.
Localizado a poucos metros da casa de Evandro, na Rua Maestro Henrique Vogeler, a futura sede da biblioteca apresenta-se com uma fachada de paredes brancas e vidros negros que vão do chão ao teto e de uma ponta a outra da construção. Para preservar o patrimônio, além da porta de vidro, existem dois portões de ferro fechados com chaves e correntes com cadeado.
O primeiro andar será ocupado por estantes onde ficarão os livros e mesas de estudo. No segundo serão montadas salas de aula para cursos de línguas. “Inicialmente teremos curso de inglês e italiano. À noite, no curso de letras Machado de Assis, serão estudadas as línguas portuguesa, inglesa, espanhola, italiana, alemã e a língua bunda, de origem africana” afirma Evandro. O terceiro e último andar vai abrigar um auditório, onde serão realizadas palestras e eventos como dos Contadores de História.
Outro projeto feito por Evandro dos Santos para futura sede de sua biblioteca chama-se Biscoito Literário, destinado às crianças. “Trata-se de um saco de biscoito, onde do lado de fora só está uma letra. A criança então deve pegar o saquinho que tem a primeira letra do seu nome. Dentro há uma frase poética, começando com a respectiva letra, e que deve ser lida em voz alta”, explica.
No novo espaço da biblioteca comunitária Tobias Barreto de Meneses, até as paredes, formadas por blocos de concreto vão respirar literatura. “Vou colocar um placa com uma frase poética em cada bloco de tijolo das paredes”, conclue Evandro.

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